terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Trechos

Nessa noite, surge uma nova pílula no meu copinho de papel. Antes que eu me dê conta, os comprimidos estão na minha mão.
- O que é isto? - pergunto, pegando a pílula nova. Eu a viro e inspeciono o outro lado.
- O quê? - a enfermeira me pergunta.
- Esta aqui. É nova.
- É triptanol.
- E para que serve?
- Vai ajudá-lo a se sentir melhor.
- Para que serve?
Ela não responde. Nossos olhos se cruzam.
- É antidepressivo - diz ela, afinal.
- Não vou tomá-la.
- Sr. Jankowski...
- Não estou deprimido.
- A Dra. Rashid a prescreveu. Vai...
- Vocês querem me drogar. Querem me transformar num carneiro comedor de gelatina. Estou dizendo que não vou tomar.
- Sr. Jankowski. Tenho que cuidar de mais 12 pacientes. Por favor, tome os seus remédios.
- Achei que fôssemos residentes.
O rosto da enfermeira se endurece.
- Tomo as outras, mas esta não - digo, dando um peteleco na pílula, que voa da minha mão e cai no chão. Jogo as outras dentro da boca. - Cadê a água? - pergunto, pronunciando mal as palavras porque estou tentando manter as pílulas no centro da língua.
Ela me dá um copo plástico, pega a pílula do chão e entra no meu banheiro. Ouço o barulho da descarga. Então ela volta.
- Sr. Jankowski, vou pegar outro comprimido. Se o senhor não tomá-lo, vou chamar a Dra. Rashid e ela irá lhe prescrever o mesmo antidepressivo, só que injetável. O senhor vai tomar o triptanol de qualquer jeito. Só tem que decidir como vai ser.
Quando ela traz a pílula, eu a engulo. Quinze minutos depois, também tomo uma injeção - não de triptanol, de alguma outra coisa, mas não me parece justo, porque eu tomei o comprimido.
Em alguns minutos me transformo num carneiro comedor de gelatina. Bem, num carneiro de qualquer tipo. Mas ainda me lembro do incidente que me causou essa desgraça e me dou conta de que se alguém me trouxesse uma gelatina bexiguenta naquele instante e me dissesse para comê-la, eu comeria.
O que fizeram comigo?

[Água para elefantes, Sara Gruen]

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