terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Não gostou


Cursou Direito por insegurança à época, mas descobriu que não gostava de leis. Leis eram retrógradas e unilaterais. Posteriormente cursou Psicologia, mas descobriu não gostar de pessoas. Pessoas tardam a morrer e passam anos enchendo o saco. Não são como os animais, que vivem os poucos anos que possuem distribuindo alegria e afeto por aí. Poderia ter cursado Medicina Veterinária, mas não saberia lidar com perdas – animais morrem muito rápido e facilmente. Por que não são como as pessoas sob esse aspecto (apenas sob esse)? Descobriu não gostar de perdas. Observou tudo e guardou numa caixa para ser analisado. Por fim, concluiu: não gostou e jamais gostaria de nada.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Meio sim, meio não


Mais uma vez o despertador tocava às 7 da manhã. Eu havia trocado o dia pela noite, assim como em quase todos os outros dias no último mês. Ter que me levantar, pentear os cabelos, escovar os dentes e sair de casa pra trabalhar, a troco de quê? De um salário que seria quase que inteiramente gasto com supérfluos, como seria de se esperar de um almofadinha de merda? Isso não me servia. Eu não esperava nada da vida, tampouco precisava de dinheiro porque poderia muito bem viver como um andarilho por aí, à margem dessa sociedade imunda. Eu não queria ter nem ser, apenas ansiava por uma saída que jamais viria. E enquanto isso eu me sentia como um personagem de Bukowski, às vezes sacana, às vezes deprimido, às vezes solitário e quase sempre fodido.

Trechos

Jamais haveria um jeito de eu viver confortavelmente entre as pessoas. Talvez eu me tornasse um monge. Fingiria acreditar em Deus e viveria num cubículo, tocando órgão e eternamente embriagado de vinho. Ninguém foderia comigo. Eu poderia entrar numa cela e ficar meditando durante meses sem ter que ver a cara de ninguém, apenas o vinho chegando, sempre. Havia, porém, um problema: os hábitos negros eram de pura lã. Eram piores que o uniforme da R.O.T.C. Eu não poderia vesti-los. Precisava encontrar outra solução.

[Misto-Quente, Charles Bukowski]

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Trechos

Os livros sobreviveram à televisão, ao rádio, ao cinema falado, às circulares (revistas primitivas), aos diários (primeiros jornais), ao teatro de bonecos de Punch e Judy e às peças de Shakespeare. Sobreviveram à Segunda Guerra Mundial, à Guerra dos Cem Anos, à Peste Negra e à queda do Império Romano. Sobreviveram inclusive à Idade Média, quando quase ninguém sabia ler e cada livro tinha de ser copiado a mão. Eles não serão exterminados pela Internet.

[Dewey - Um gato entre livros, Vicki Myron]

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Trechos

Morro dos Ventos Uivantes é o nome da propriedade onde o sr. Heathcliff vive, nome da tradição local, só por si revelador da inclemência climática a que o lugar está exposto durante as tempestades. Ar puro e vento revigorante é coisa que não falta a quem vive lá no alto: adivinha-se a força dos ventos do norte que varrem as cristas das penedias pela acentuada inclinação de alguns abetos raquíticos que guarnecem os fundos da casa e pelo modo como os espinheiros do cercado estendem os seus braços descarnados todos na mesma direção, como se a implorarem ao sol a dádiva de uma esmola.

[Morro dos Ventos Uivantes, Emily Brontë]